Um portentoso milagre está na raiz da tradicional Festa de Corpus Christi, celebrada solenemente em todo o mundo católico.

Pe. David C. Francisco, EP

A hóstia gotejou sangue

No longínquo ano de 1263, caminhava para Roma um sacerdote de nome Pedro, originário de Praga, segundo a tradição. Encontrando-se muito tentado em sua crença na presença real de Cristo na hóstia consagrada, fazia uma peregrinação para revigorar sua fé vacilante, pois sua identidade sacerdotal estava em jogo naquele atormentado período de sua vida. Ao se aproximar de Bolsena, decidiu entrar na cidade para prostrar-se diante do túmulo de Santa Cristina — mártir dos primeiros séculos do Cristianismo, da qual era muito devoto — e ali celebrar a Eucaristia.

Durante a Missa, voltou-lhe à mente a dúvida atroz que o atormentava, e ele pediu com insistência a intercessão da Santa a fim de conseguir aquela mesma fortaleza na Fé que a fez enfrentar o martírio.

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No momento da Consagração, tendo a hóstia em suas mãos, pronunciou as palavras rituais: “Isto é meu Corpo…”. Imediatamente ocorreu o milagre: a hóstia tomou uma tonalidade avermelhada e começou a gotejar sangue, o qual caiu copiosamente sobre o corporal. Os fiéis presentes também puderam contemplar o acontecimento e, estupefatos, comentavam-no com a vivacidade característica da região.

Como prosseguir a celebração depois dessa impressionante manifestação divina? Faltou ânimo ao sacerdote. Tomado de imensa alegria e, ao mesmo tempo, de grande comoção, interrompeu a Missa, envolveu no corporal as espécies eucarísticas e dirigiu-se à sacristia.

Sua torturante dúvida estava desfeita, sentia a alma cheia da Fé na presença real de Cristo na Eucaristia, e o coração transbordante de gratidão a Deus e à sua santa intercessora.

Passados os momentos iniciais de forte emoção, decidiu ele ir sem demora comunicar o milagre ao Papa Urbano IV, que então residia temporariamente na vizinha cidade de Orvieto. Desejava também confessar ao Vigário de Cristo seu pecado de dúvida e pedir-lhe a absolvição.

Averiguações e confirmação do milagre

Com toda paternalidade, o Pontífice atendeu-o, juntamente com os clérigos e demais testemunhas do prodígio. Depois de ouvir com atenção todos os detalhes do acontecimento, resolveu enviar a Bolsena uma comissão chefiada pelo próprio Arcebispo de Orvieto — consta que dela faziam parte São Tomás de Aquino e São Boaventura —incumbida de fazer uma rigorosa averiguação dos fatos e, se confirmado o milagre, trazer as preciosas relíquias até ele.

Após cuidadosas verificações, a comissão concluiu que tinha havido realmente um milagre. Formou-se então uma esplendorosa procissão para conduzir as inapreciáveis relíquias. Dela participavam os dignitários e uma multidão de fiéis da cidade de Bolsena, agitando ramos de oliveira. A seu encontro, veio de Orvieto outra procissão, formada pelo Papa, sua corte, os membros do clero e numeroso povo.

Urbano IV prostrou-se de joelhos em terra para receber a Sagrada Hóstia envolta no corporal de linho impregnado do Preciosíssimo Sangue de nosso Redentor. Em seguida, dirigiram-se todos para a velha catedral. Ali, as Sagradas Espécies e o corporal foram mostrados ao público exultante de alegria e emoção, antes de serem colocados no sacrário.

Com toda a Igreja, tinha o Papa conhecimento do famoso milagre de Lanciano, em que a hóstia e o vinho consagrados se transformaram em carne e sangue visíveis e tangíveis, conservando-se assim, sem se decompor, desde o século oitavo. Além disto, ele fora confidente de Santa Juliana de Mont Cornillon, a qual, em visões místicas, recebera dos Céus a incumbência de transmitir à Igreja o desejo divino de ser incluída no Calendário Litúrgico uma festa em honra da Eucaristia.

Instituição da Festa do Corpo de Deus

E, agora, diante do acontecido em Bolsena, não lhe restava mais nenhuma dúvida sobre o que lhe competia fazer.

Assim, no dia 11 de agosto de 1264, através da bula Transiturus de Hoc Mundo, instituiu a Festa de Corpus Christi, estendendo para todo o orbe cristão o culto público à Sagrada Eucaristia, que era oficiado apenas em algumas dioceses, por influência de Santa Juliana.

Cinqüenta anos mais tarde, o Papa Clemente V tornou obrigatória a celebração dessa Festa da Eucaristia. E o Concílio de Trento, em meados do século XVI, oficializou as procissões eucarísticas, como ação de graças pelo dom supremo da Eucaristia e como manifestação pública de fé na presença real de Cristo na Hóstia Sagrada.

Estava, assim, instaurada em toda a Igreja a “Festa em que o Povo de Deus se reúne à volta do tesouro mais precioso herdado de Cristo, o Sacramento de sua própria Presença, e O louva, canta e leva em procissão pelas ruas da cidade” (João Paulo II, Homilia durante a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, 14/6/2001).

Para conter as preciosas relíquias do milagre de Bolsena, a piedade católica fez confeccionar um esplendoroso relicário e, depois, erigir a belíssima Catedral gótica de Orvieto, cuja fachada colorida até hoje é objeto de admiração no mundo inteiro.