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O homem fora condenado à morte. E quando o foram buscar para o executarem, estava enfronhado na resolução de um problema de palavras cruzadas. Faltava-lhe uma apenas para preencher todo o quadrado, mas sobravam-lhe ou faltavam-lhe sempre letras nas que lhe iam ocorrendo e não entravam nas outras. Pediu que lhe deixassem levar o papel para ir pensando melhor na solução. Mas os guardas acharam a coisa absurda até porque levava as mãos algemadas. Então por um momento fixou o quadrado intensamente e partiu com a certeza de que o não esquecia para ir pensando entretanto na solução. E assim quando lhe enfiavam o baraço no pescoço ele viu num relâmpago a palavra que faltava. E foi tal o entusiasmo que no instante de o dependurarem não pôde aguentar-se e largou um berro – merda! Que ordinário, pensou o carrasco, enquanto abria o alçapão.
Vergílio Ferreira In “Escrever” – Edição de Helder Godinho